25 fevereiro 2010

A doença e a cura

Já há muito que a palavra tuberculose foi riscada do nosso imaginário colectivo como uma doença real e efectivamente perigosa. O facto da doença ter desaparecido tanto do nosso imaginário como dos cabeçalhos dos jornais é algo que não consigo explicar, especialmente tendo em conta a histeria que rodeou outras doenças que na consciência colectiva das sociedades ocidentais são muito mais perigosas. O ano passado meio mundo saiu à rua com máscaras a tapar a boca com medo da nova gripe, uma doença que matou cerca de 15 mil pessoas em 2009. É alarmante, claro, mas é um número totalmente pulverizado pelas vítimas anuais da tuberculose: nada mais nada menos do que 1.77 milhões. Sim, leram bem, 1.77 MILHÕES.

Tendo em conta a disparidade dos números parece de facto algo patética a nossa reacção ao H1N1, mas o que mais me alarma é a razão pela qual tanto se fala numa e se fala tão pouco noutra. Podem dizer-me que o número de vítimas do mundo ocidental não é muito significativo, o que posso aceitar, mas há outro número que me chama a atenção: o tratamento para a estirpe mais vulgar da doença (que afecta mais de metade das pessoas que a contraem) custa 11 dólares. O tratamento inteiro. Imagino que estes medicamentos não constituem uma fatia significativa dos lucros anuais das companhias farmacêuticas, ao contrário de medicamentos para novos vírus como o H1N1. Eu sei que estou a soar a conspiracy theory, mas a forma de actuação destas empresas em África leva-me a desconfiar fortemente dos seus padrões éticos.

O facto da doença estar a evoluir, tornando-se cada vez mais resistente aos tratamentos convencionais, e estar a tornar-se cada vez mais comum nos países da Europa Ocidental, não contribui em nada para acalmar os meus receios quanto à indústria farmacêutica. Espero que o que acabei de escrever não passe de um delírio da minha fértil imaginação alimentada a cafeína (o que é o mais certo - demasiados X Files podem ter consequências nefastas) mas duvido que esta doença possa ser considerada, nos tempos mais próximos, como totalmente erradicada (como chegou a pensar-se nos anos 60). Quem quiser ler mais sobre a evolução da doença nos tempos recentes tem este artigo do EUObserver. É longo, mas vale a pena.

Foto do álbum de Leander Pretorius no Flickr.

16 fevereiro 2010

Buzz off


Quem me conhece sabe que eu sou um fã acérrimo da Google, tanto dos seus produtos como da forma como a empresa encara o mercado e os concorrentes. Não passa um dia sem que eu use uma colecção de apps da Google, começando pelo Gmail, passando pelo Reader e acabando no estaminé que estão a ler. Por isso mesmo, quando, na semana passada, anunciaram o lançamento do Buzz fiquei bastante entusiasmado. A premissa parecia interessante: uam rede social dentro do mail. Isso chegou para me aguçar o apetite, mas o entusiasmo deu rapidamente lugar à desilusão e mesmo apreensão. Em bom português, há que dizer que o Buzz é uma merda.

Começa logo pelo interface. Não há qualquer tipo de organização, não há possibilidade de colocar as fotos num local separado, os posts amontoam-se uns em cima dos outros num caos absolutamente impossível de gerir. Depois, passa pela privacidade. Ou melhor, pela falta dela. A partir do momento em que tenho o Buzz aberto no meu perfil, qualquer pessoa pode aceder a tudo o que lá coloco. Qualquer pessoa. Até no Facebook, com todos os problemas que nós conhecemos, temos formas de fechar o que queremos mostrar apenas a familiares e amigos. Para terminar, não sei quem foi o génio que se lembrou que seria uma boa ideia despejar o conteúdo do Buzz no próprio GMail. Tudo o que eu postei no Buzz (ou melhor, nos serviços que associei ao Buzz, como aqui o estaminé ou o Twitter) foi colocado também na pasta sent mail. Ora, se é um post numa rede social não é seguramente um mail, e se o quero na rede social não o quero no mail.

Creio que o Buzz revela todos os problemas que a Google tem tido com o conceito de redes sociais. O Orkut teve sucesso apenas no Brasil e o Friend Connect foi um enorme falhanço; o Buzz terá a bóia do Gmail para o manter à tona, mas duvido que seja capaz de competir com o Facebook, pelo menos para já. Acredito que a Google esteja a experimentar a integração de diferentes plataformas, por forma a podermos, no futuro, aceder a toda a informação que nos interessa num só lugar; qualquer coisa do género, Gmail+Reader+Buzz+Wave. Se resolverem o problema da privacidade e perceberem que pode haver contactos e mensagens que eu quero num lado que não quero noutro, talvez possa ser uma boa solução.

15 fevereiro 2010

Um ataque de histeria colectiva


Devo dizer que começa a preocupar-me seriamente o estado de histeria colectiva em que uma boa parte do país se encontra mergulhado, por causa da censura e falta de liberdade de opinião de que sofremos. Acho incrível a leveza com que se usa o termo censura num país que muito sofreu com a censura a doer, em que pessoas eram presas, torturadas e mesmo assassinadas por causa do que diziam. É absurdo e ofensivo para aqueles que com ela sofreram e é, acima de tudo, um insulto à memória e ao legado do 25 de Abril. Fazia bem a estas pessoas pararem um pouco para pensar no que a palavra realmente significa.

Acredito que a distância que me separa geograficamente de Portugal permite-me ter um olhar mais distanciado e poder ver com maior clareza a big picture, algo que se torna difícil quando estamos no meio do turbilhão e somos todos os dias metralhados por notícias e opiniões de um só sentido. E aqui, do outro lado da Europa, fico com a clara sensação de estarmos perante um ataque orquestrado com um único propósito: derrubar José Sócrates. O primeiro-ministro (pelo qual, já o disse e repito, não tenho particular admiração) tem sido alvo de repetidos ataques (até, imagine-se, da Presidência) que visam desgastar a sua imagem perante a opinião pública. Curiosamente, isso não o impediu de ser re-eleito e de continuar a subir nas sondagens pós-eleitorais. No entanto, a subida de tom destes ataques dos paladinos da justiça (não se esqueçam que o ponta-de-lança desta equipa é a sempre confiável Manuela Moura Guedes) tem surtido os seus efeitos e mesmo na cúpula do PS começa a falar-se, aqui e ali, na possível substituição de Sócrates.

Se isto de facto acontecer, será um enorme passo atrás na democracia portuguesa. Será a subversão do sistema, será o derrotar de um governo democraticamente eleito às mãos de um grupo de pessoas sedentas de poder e capazes de tudo para o alcançar. Estes movimentos de justiceirismo e de julgamentos na praça pública e nas capas dos jornais estão a assassinar a democracia portuguesa e o local onde a liberdade de expressão mais fielmente se apresenta: as urnas. Quando o resultado de eleições democráticas é posto em causa por notícias não legitimadas, pelo diz-que-disse, por rumores e especulações, então estamos a recuar no tempo e a entregar a política a um mundo sujo de intriga e interesseirismo, a um mundo de vale-tudo com fins pouco claros onde o resultado final será tudo menos uma democracia.

10 fevereiro 2010

Skopje, 2014

Quem acompanha o meu cantinho sabe que não sou um grande fã da arquitectura skopjana. A paisagem urbana de Skopje foi tremendamente afectada pelo terramoto de 1963 (sobre o qual podem encontrar mais informação aqui), sendo que a esmagadora maioria dos edifícios do centro da cidade foram constrídos após o terramoto, com fortes influências da típica estética comunista, com tudo o que isso tem de mau. Nos últimos anos, o actual governo e o presidente da Câmara têm feito um esforço para dar um outro aspecto à cidade, algo que é de louvar; investiu-se em projectos artísticos, contrataram-se escultores para preencher as ruas de estátuas, procurou-se embelezar a cidade. Se o esforço é de louvar, já os resultados estão longe de o ser. As estátuas são, na sua grande maioria, horríveis e sem qualquer ligação à história e cultura do país e a esmagadora maioria da população não gosta delas. Apesar disso, o projecto continuou em marcha e na semana passada foi revelado um vídeo com o restante plano, que inclui uma total remodelação da praça central e zona ribeirinha.

A reacção a este abjecto e absurdo plano de transformar Skopje em algo que não é foi pronta e quase unânime: esta não é a cidade que a população quer. Para além dos vários edifícios terem diversas influências arquitectónicas que nada têm a ver umas com as outras (e com os edifícios actuais), esta remodelação vem destruir a praça central, um dos espaços mais aprazíveis da cidade. A praça é um ponto de encontro natural entre as pessoas, proporciona uma vista lindíssima sobre as ruínas da antiga fortaleza da cidade e do rio e é também palco de diversos eventos como concertos, um feira anual de vinho, um festival de artes de rua, etc. Com este plano a praça deixará de poder albergar estes eventos que dinamizam a cidade, em prol de estátuas e estatuetas e edifícios caros e de utilidade duvidosa. Para além disso, em vez de se procurar cirar uma maior ligação da cidade ao rio, faz-se o contrário, fechando-o ainda mais com os monstros que já estão a ser construídos na margem oposta à praça. Se a isto juntarmos um custo que deverá ficar entre os 100 e os 200 milhões de euros, numa cidade que tem autocarros com mais de 40 anos, estradas totalmente destruídas, acessos limitados, hospitais a precisar de obras, edifícios públicos a cair de podres... (podia ficar aqui o dia todo...) Tenho pena de dizer isto da cidade onde vivo, mas a verdade é que Skopje fica cada vez mais feia, de dia para dia...

02 fevereiro 2010

Crespices

Se calhar é a distância que me está a deturpar a visão (afinal de contas, eu vejo mal ao longe), se calhar é o diabo da mania de questionar as coisas e de pensar um pouco antes de aceitar aquilo que me dão a comer, mas acho esta polémica em volta da suposta censura a Mário Crespo uma verdadeira palhaçada. Pode ser só de mim, mas a história que o jornalista da SIC Notícias conta no seu famoso artigo de opinião está muito, mas mesmo muito mal contada. Custa-me a acreditar que Sócrates fosse burro (não há outra palavra) ao ponto de vociferar tamanha patacoada em voz alta num local público, para quem o quisesse ouvir. Depois de toda a polémica que rodeou a saída de Manuel Moura Guedes da TVI, cometer um erro destes vai para lá da estupidez; seria coisa para estar perto do suicídio político. Como não tomo Sócrates por burro, nem acredito que ele tenha vontade de deixar a política, só posso assumir que Crespo está, pelo menos, a contar meias verdades.

Depois, o veterano jornalista que cresci a admirar, vem acusar o jornal para o qual escreve de o censurar, por se ter recusado a publicar o artigo. Parece que o estou a ouvir com voz de Manuel Triste, à la Contra-Informação: "A mim ninguém me cala!". A mim parece-me apenas natural que um editor de jornal, perante uma tão recambolesca e ridícula história, se tenha recusado a comprar uma guerra, perdida à partida, com o Governo. De imediato saltaram à praça pública os milhentos paladinos da justiça que pululam pelo nosso país, defendendo o direito a falar de Mário Crespo. Ora, por esta hora, já o seu texto estava espalhado por essa rede fora; se isto é calar o homem, imagino quando o deixarem falar... Estranhamente, nenhum destes justiceiros de encomenda se preocupou em questionar o que disse Crespo, ou em ouvir a outra metade da história. Pormenores.

Quem me conhece sabe que eu não sou um fã do primeiro-ministro, mas admiro-lhe a capacidade de resistência a ataques pessoais, que, diga-se, têm sido uma constante desde que chegou ao poder, e com uma intensidade cada vez maior com o passar do tempo. É um sintoma do estado em que se encontra a oposição em Portugal: à falta de ideias e alternativas viáveis para o país, procura-se derrotar o poder pelo cansaço do rumor e do boato, na mais baixa e suja variante da política, a que chamo de bota-abaixismo. Quanto mais a oposição bate nesta tecla, mais esta torrente de notícias que vem a público contra Sócrates me parece encomendada, numa senda de justiceirismo (não confundir com justiça) que tanto agrada à populaça. Eu sei que pensar é uma chatice e a maior parte das pessoas não quer saber (daí o sucesso dos tablóides e de coisas como o Jornal de Sexta) mas custa-me ver como o país se afunda e chafurda na sua própria lamice em vez de se preocupar em levantar a cabeça e trabalhar para um futuro melhor. É pedir demais, eu sei, mas, caramba, um homem pode sonhar, não pode?
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