02 fevereiro 2010

Crespices

Se calhar é a distância que me está a deturpar a visão (afinal de contas, eu vejo mal ao longe), se calhar é o diabo da mania de questionar as coisas e de pensar um pouco antes de aceitar aquilo que me dão a comer, mas acho esta polémica em volta da suposta censura a Mário Crespo uma verdadeira palhaçada. Pode ser só de mim, mas a história que o jornalista da SIC Notícias conta no seu famoso artigo de opinião está muito, mas mesmo muito mal contada. Custa-me a acreditar que Sócrates fosse burro (não há outra palavra) ao ponto de vociferar tamanha patacoada em voz alta num local público, para quem o quisesse ouvir. Depois de toda a polémica que rodeou a saída de Manuel Moura Guedes da TVI, cometer um erro destes vai para lá da estupidez; seria coisa para estar perto do suicídio político. Como não tomo Sócrates por burro, nem acredito que ele tenha vontade de deixar a política, só posso assumir que Crespo está, pelo menos, a contar meias verdades.

Depois, o veterano jornalista que cresci a admirar, vem acusar o jornal para o qual escreve de o censurar, por se ter recusado a publicar o artigo. Parece que o estou a ouvir com voz de Manuel Triste, à la Contra-Informação: "A mim ninguém me cala!". A mim parece-me apenas natural que um editor de jornal, perante uma tão recambolesca e ridícula história, se tenha recusado a comprar uma guerra, perdida à partida, com o Governo. De imediato saltaram à praça pública os milhentos paladinos da justiça que pululam pelo nosso país, defendendo o direito a falar de Mário Crespo. Ora, por esta hora, já o seu texto estava espalhado por essa rede fora; se isto é calar o homem, imagino quando o deixarem falar... Estranhamente, nenhum destes justiceiros de encomenda se preocupou em questionar o que disse Crespo, ou em ouvir a outra metade da história. Pormenores.

Quem me conhece sabe que eu não sou um fã do primeiro-ministro, mas admiro-lhe a capacidade de resistência a ataques pessoais, que, diga-se, têm sido uma constante desde que chegou ao poder, e com uma intensidade cada vez maior com o passar do tempo. É um sintoma do estado em que se encontra a oposição em Portugal: à falta de ideias e alternativas viáveis para o país, procura-se derrotar o poder pelo cansaço do rumor e do boato, na mais baixa e suja variante da política, a que chamo de bota-abaixismo. Quanto mais a oposição bate nesta tecla, mais esta torrente de notícias que vem a público contra Sócrates me parece encomendada, numa senda de justiceirismo (não confundir com justiça) que tanto agrada à populaça. Eu sei que pensar é uma chatice e a maior parte das pessoas não quer saber (daí o sucesso dos tablóides e de coisas como o Jornal de Sexta) mas custa-me ver como o país se afunda e chafurda na sua própria lamice em vez de se preocupar em levantar a cabeça e trabalhar para um futuro melhor. É pedir demais, eu sei, mas, caramba, um homem pode sonhar, não pode?

2 comentários:

  1. "Eu sei que pensar é uma chatice e a maior parte das pessoas não quer saber (daí o sucesso dos tablóides e de coisas como o Jornal de Sexta) mas custa-me ver como o país se afunda e chafurda na sua própria lamice em vez de se preocupar em levantar a cabeça e trabalhar para um futuro melhor."

    Sublime!

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  2. UFA!!!Gostava tanto de ler comentários assim nos fóruns que polúlam por aqui!é por isto que eu digo ,todos ,mas todos sem excepção devíamos ter possibilidade de sair um pouco para fora,daqui para abrir os horizontes da mente...

    Parabéns André,pela tua visão tão realista e despegada.

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